domingo, 13 de setembro de 2015

To confundindo pra esclarecer

Na semana passada eu li um texto de despedida do Oliver Sacks, que me faz refletir muito. Um dos trechos que me faz refletir bastante é o que ele refere ter encontrado sua vocação, depois de ter abusado de anfetamina e ido trabalhar num hospital para internos de doenças crônicas, ele descobriu sua vocação de escrever e descrever casos clínicos. Ele refere que não era algo comum na época em que começou a fazer e que muitos colegas o desanimaram, mas ele persistiu. Ele foi mundialmente reconhecido por suas descrições maravilhosas de casos clínicos interessantes,
E me faz refletir que tipo de caminhos é preciso pra descobrir sua vocação. Eu me sinto extremamente incomodada, com meus 35 anos, mãe de uma linda menina de 2 anos, desempregada e sem rumo. Me sinto perdida porque tudo me atrai, ao mesmo tempo que não me aprofundo em nada, ou que nada me agrada profundamente. Me sinto incomodada porque com 35 anos não deveria mais estar atrás de algo que me agrada, há uma voz alta que me diz atrás da orelha "vai trabalhar, vagabunda", que eu deveria era encarar as famigeradas 8h/dia de trabalho que todo mundo encara. Que eu não deveria me rogar pelas 40h/semana que todo mundo faz. Mas acontece que eu tenho um olhar crítico quanto a isso, que me angustia, as 40h/semana são emburrecedoras, são sinônimos de ser passado pela vida e não de passar por ela. Encaramos 8h/dia de trabalho para a conquista de salário fixo no final do mês. Salário equivale a dinheiro que paga as contas, necessárias pra viver: moradia, luz, água, comida e regalias, claro, o que não é sobrevivência é regalia: tomar sorvete no final de semana, viajar pra europa. E o mais complicado, as 8h/dia, 40h/semana são passadas realizando um trabalho, na maior parte das vezes de enxugar gelo. Em todos os trabalhos desses que já realizei, não teve um em que eu não passasse uma boa parte do dia que eu deveria cumprir a carga horária, sem fazer nada. De 8 horas, se trabalha 4, o restante é massante, fica por obrigação, assim nem o trabalho mais gratificante fica prazeroso. Eu passei por isso num dos que mais gostei de trabalhar, o CAPS, muitas e muitas tardes sem realizar nada no espaço, esperando dar 17 horas pra poder ir embora. E a vida é mais que isso.
A maternidade trouxe de volta isso à tona em mim, vinculado a um grande desejo de realizar pessoalmente os cuidados da minha filha. Não vislumbrei deixar minha filha numa escolinha/creche e ir cumprir carga horária de 40h/semana realizando um trabalho alienante. Ainda hoje isso não faz sentido pra mim.
É gratificante, e eu não consigo traduzir em palavras, acompanhar o desenvolvimento neuropsicomotor da minha filha e também o desenvolvimento do nosso amor, as transformações da nossa relação, da nossa comunicação. Isso é único, intraduzível e inconvencível, eu não quero convencer ninguém, basta a mim tudo isso.
Mas acontece que estou cada vez mais preocupada, claro, porque pelas escolhas que fiz me falta uma parte essencial para cuidar dela, que é a parte financeira, de garantir o básico pra ela e também algumas regalias, convenhamos, qual é a vida que, tendo a possibilidade de escolher a vida, escolhe vivê-la quadrada, sem picolés nem viagens!? Pois bem, então entra na minha preocupação, aquilo que o texto do Sacks me despertou, qual seria minha vocação? Eu tenho fome e sede do que? Eu sei o que?
Lembro de ter ouvido meu pai falar tantas vezes a frase do Sócrates "só sei que nada sei" e devo ter levado ela a ferro e fogo, porque a sensação mais fresca que tenho é essa: nada sei. Vejo tanta gente que sabe e domina tanta coisa, que consegue realizar trabalhos plenos (que não são alienantes), que constroem suas cargas horárias, que dão conta do básico e das regalias, sem culpa. Pessoas que falam com propriedade de determinado assunto, que dominam bem determinada área, que consertam com maestria computador/carro/liquidificador ou qualquer outro bem, que escrevem linhas tão bem traçadas, como no caso do Sacks. Vejo tudo isso, fico tonta, sinto inveja (sinto mesmo, fico querendo estar no lugar da pessoa, fico querendo ter tido aquela ideia, mas não tive) e tenho a sensação de que nunca sairei do buraco.
Nada sei que nada sei. O texto do Sacks me despertou também uma esperança, porque nele diz que depois de ter se afundado na anfetamina, foi trabalhar numa clínica de crônicos para se salvar, onde encontrou sua vocação, me faz lembrar a máxima que sempre acreditei: a vida, o mundo, o universo, é dialética, ou seja é tese, antítese e síntese. Entendo assim, que desse nada sei, surgirá em algum momento um fruto a ser saboreado. Mas para isso é preciso ter paciência. Meu receio é que essa antítese nunca passe, como tanto tempo achei que não iria passar e sucumbi ao mercado alienante, que a maternidade fez rever tudo de novo e me colocou de volta ao espaço antítesiano que eu vivi pós faculdade (e na realidade pela minha vida toda). Que fruto dará essa árvore, aliás, que árvore é essa? Sei não, acho que preciso investigar suas raízes....

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