terça-feira, 12 de julho de 2016

A carta da carta da carta

Já escrevi várias cartas de despedida dessa separação. Algumas dizendo "enfim posso dizer a você", sendo o você aquele que nunca leu nem lerá. E essa carta agora (espero ser a derradeira, que sofrimento grande causa uma separação!) eu escrevo para mim. Sou eu que preciso saber logo de algumas verdades e, ao contrário dele, além de escrevê-la, vou ler e reler com muito carinho.
Eu sempre quis dizer pra ele algumas coisas que nunca consegui expressar, ou porque me dava preguiça, ou porque não me fiz entender. Sempre tentei encontrar novas formas de dizer o que estava dentro de mim. Não, a culpa não foi minha; também não foi dele, foi nossa. Posso afirmar pelo meu lado: me apaixonei pelos seus dotes físicos, por uma boa sensação quando estava perto, pelo toque do violão, pela voz, por admirar quem morava lá na Picinguaba. A relação era tumultuada, cheia de brigas, algumas bem horrorosas inclusive, mas eu passava por cima, não queria ver a parte negativa, afinal eu estava apaixonada, enebriada pela parte boa. A gestação e principalmente o parto me acordaram. Passar o puerpério ao lado dele e na tão amada e desértica Picinguaba não foi nada fácil, nossos mundos evidenciavam todas as diferenças existentes, éramos cada um de uma ilha, nos fazíamos mal e nos fazemos ainda. E esse ainda dura porque temos uma pequena filha em comum, a grande alegria e a grande tragédia. É bem cansativo cuidar de uma filha sozinha, porque não é só cuidar dela, é cuidar de si, da casa, da vida. Mas ele nunca teve nenhum problema com isso, as grandes responsabilidades dela, inclusive financeiras, sempre ficaram a meu cargo. Eu que nunca voltei a fazer ioga, eu que não me re-encontro profissionalmente, eu que lavo a roupa, estendo, recolho e guardo, faço as refeições, lavo a louça, limpo a casa. Eu que dou banho nela, escovo os dentes, troco, penteio. Levo pra passear, cada dia num lugar. Eu que não tenho tempo de escrever quando quero, de terminar um livro, de costurar, de fazer o que gosto nem o que devo, porque tenho inúmeras responsabilidades que preciso dar conta sozinha. E ele? Ele nunca pergunta se tem algo em que possa ajudar, algum dia pra ficar com ela que seja bom pras duas. Ele vem pro centro e nem liga pra saber se pode vê-la, ou se liga é em cima da hora, atrapalhando toda a dinâmica. E ela fala mais dele do que de mim, se pudesse contaria os dias pra passar com ele, afinal, ele só vem pega-la aos sábados. É.... hoje ele não ligou, mas costuma ligar todos os dias, que é pra não se deixar esquecer. Se não, o que ele seria pra ela? Um arremedo de pai.... ele já é. Ele seria um belo de um bobo, é isso que ele seria. E como disse minha irmã hoje: porque eu não deixo logo ele ser esse bobo pra ela? Porque insisto em querer manter a figura de um pai que será só e cada vez mais nociva pra ela? Um cara machista, tacanho, ignorante, que não quer crescer e, pior, não quer que os outros cresçam ou simplesmente pensem diferente dele. Um cara que não é maduro o suficiente pra saber o que é amar um filho e que isso vai além, muito além de ver um dia na semana, de apenas estar junto fisicamente. Qual o crescimento que estou promovendo pra minha filha? Do que de fato ela precisa agora? Ainda não sei... O que preciso mesmo entender é que ele é um arremedo fadado a ser bobo e que eu não preciso fazer esforço nenhum pra ele ser reconhecido ou se passar por um bom pai.

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